sábado, 18 de abril de 2015

UMA CRÍTICA À FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NAS TERCEIRIZAÇÕES DE LONGO PRAZO

1. INTRODUÇÃO

A ordem jurídica trabalhista brasileira, devido ao princípio da proteção ao obreiro, custou a admitir a terceirização de serviços.
Inicialmente, algumas tímidas leis começaram a permitir tal prática. O exemplo principal é a Lei nº 6.019/1974, que, ao regulamentar o trabalho temporário, instituiu a chamada terceirização de curto prazo.
Todavia, em virtude do cancelamento da Súmula nº 256 do TST e edição da então nova Súmula nº 331 do TST, passou-se a admitir, em hipóteses mais amplas, a terceirização. Convencionou-se chamá-la de terceirização de longo prazo.
Toda sua regulamentação é feita pela própria Súmula nº 331, que estabelece os requisitos de sua licitude, as conseqüências da prática de terceirização ilegal e, por fim, a responsabilidade do tomador de serviços em tal modalidade de terceirização.
No que diz respeito à forma de responsabilização do tomador de serviços, a Súmula tratou diferentemente o tomador quando particular e quando a Administração Pública, conferindo apenas a esta última uma prerrogativa: a responsabilidade meramente subjetiva, que depende da comprovação de culpa (ao contrário do tomador particular, que responde objetivamente pelas verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa interposta a seus empregados).
Assim, a análise da responsabilidade da Administração Pública como tomadora de serviços em contrato de terceirização é de alta relevância.
O presente texto, portanto, tem por objetivo tratar criticamente da forma de responsabilização da Administração Pública em contratos de terceirização, na condição de tomadora de serviços, com base no texto constitucional e na desproporção em relação ao tomador privado.

2. ANÁLISE DO TEMA PROPOSTO

2.1 Conceito e fundamento jurídico da terceirização

A terceirização consiste em um contrato, por meio do qual uma empresa interposta fornece empregados a um tomador de serviços, para que este, mediante pagamento à empresa interposta, se utilize dos empregados fornecidos, sem que entre estes e o tomador se configure vínculo empregatício.
Na preciosa lição do ministro GODINHO DELGADO[1]:
Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força do trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.
Assim, há uma verdadeira relação jurídica trilateral na terceirização, em que figuram partes bem definidas: (a) o tomador de serviços; (b) a empresa interposta; e (c) o empregado.
A primeira parte dessa relação é o tomador de serviços, que é aquela pessoa física ou jurídica que exerce uma atividade e, para tanto, necessita de mão de obra. Com a terceirização, o tomador de serviços contrata com a empresa interposta, para que esta lhe forneça a mão de obra necessária.
Em segundo lugar, há a empresa interposta, que é aquela que possui os empregados disponíveis à terceirização. Ou seja, é esta quem fornece, mediante contraprestação pecuniária, seus empregados ao tomador, para que este utilize a referida mão de obra para sua atividade.
Por fim, a terceira parte dessa relação jurídica é o empregado da empresa interposta, e que presta serviços ao tomador. No caso, relembrando o ensinamento supratranscrito do ministro Delgado, diferem-se a relação empregatícia da relação econômica de trabalho: o empregado presta serviços ao tomador, porém seu vínculo empregatício se dá com a empresa interposta, de modo que é esta quem tem obrigações trabalhistas para com o empregado (pagamento de salários, férias, gratificação natalina, dentre outros direitos do empregado). Não há, portanto, vínculo empregatício entre o empregado e o tomador de serviços.
Há duas modalidades de terceirização aceitas atualmente no Direito do Trabalho, a saber: (a) a terceirização de curto prazo; e (b) a terceirização de longo prazo.
(a) Terceirização de curto prazo: a terceirização de curto prazo possui previsão legal expressa.
Trata-se da Lei nº 6.019/1974 que, ao tratar do trabalhador temporário, fornece várias disposições sobre verdadeira terceirização, tendo em vista que os trabalhadores temporários são fornecidos por uma empresa interposta (tratada especificamente como “empresa de trabalho temporário” pelo artigo 4º da Lei nº 6.019/1974[2]).
A terceirização de curto prazo, segundo o artigo 2º da Lei nº 6.019/1974[3], é possível em apenas duas situações: (i) em caso de, na empresa tomadora, surgir acréscimo extraordinário de serviço; ou (ii) nos casos em que for necessária a substituição transitória de pessoal regular e permanente da empresa tomadora.
Por fim, cabe mencionar que a terceirização de curto prazo deve ser estipulada mediante contrato escrito entre a empresa de serviço temporário e o tomador de serviços, com período de duração máximo de 03 meses para cada empregado terceirizado (artigos 10 e 11 da Lei nº 6.019/1974[4]).
BRUNO KLIPPEL[5] afirma que a Lei nº 6.019/1974:
Trata-se de legislação até hoje em vigor, que trata do trabalho temporário, para substituição de pessoal permanente ou para implementação de novos postos de trabalho, em períodos de aumento de produção ou vendas. Essa lei propicia a terceirização lícita temporária, já que a legislação prevê tempo máximo de 3 (três) meses para os contratos firmados entre a empresa de trabalho temporário e o tomador de serviços.
Feitas essas considerações gerais, não cabe mais abordar tal modalidade de terceirização, posto que não é ela o objeto principal deste artigo.
(b) Terceirização de longo prazo: quanto à terceirização de longo prazo, trata-se da modalidade de terceirização que não possui previsão legal, tendo por base jurídica uma Súmula do TST, qual seja, a Súmula nº 331.
Por ora, cabe apenas transcrever o conteúdo da referida Súmula, tendo em vista o fato de que esta será a modalidade de terceirização tratada no presente texto, de modo que suas características serão analisadas de forma aprofundada no decorrer deste artigo.
Súmula 331, TST:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6019, de 3.1.74).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
III - não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV ‐ O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V ‐ Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

2.2 Terceirização de longo prazo – conceito e características básicas

Como já mencionado anteriormente, a terceirização de longo prazo não possui previsão legal, tendo por base jurídica a Súmula nº 331 do TST (ao contrário da terceirização de curto prazo, que encontra sustentação na Lei nº 6.019/1974).
A terceirização de longo prazo era vedada expressamente pela Súmula nº 256 do TST, segundo a qual a terceirização só se fazia admissível nos termos da Lei nº 6.019/1974 (terceirização de curto prazo) e da Lei nº 7.102/1983 (serviços de vigilância).
Estipulava tal Súmula que, ipsis litteris:
Súmula nº 256 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
Todavia, este enunciado sumular foi cancelado, sendo substituído pela atualmente vigente Súmula nº 331 do TST (já transcrita anteriormente), que permite a terceirização de longo prazo, desde que preenchidos determinados requisitos.
Segundo o inciso I da Súmula nº 331 do TST, “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3-1-1974)”.
O referido inciso traz a impressão de ser ainda juridicamente impossível a terceirização de longo prazo, sendo admissível no ordenamento jurídico pátrio apenas a terceirização de curto prazo, tal qual prevista na Lei nº 6.019/1974. Assim, sua leitura isolada leva à conclusão de que qualquer terceirização feita além das hipóteses da Lei nº 6.019/1974 (terceirização de curto prazo) é ilegal, formando-se, portanto, vínculo empregatício direto entre o empregado ilegalmente terceirizado e o tomador de seus serviços.
Porém, essa primeira impressão é errônea.
Isto porque a própria Súmula nº 331 do TST, em seu inciso III, traz a contra-regra, ao prever que: “não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”.
Como se percebe, este inciso excepciona a regra geral trazida pelo inciso I, de modo que a terceirização de longo prazo será, em regra, ilegal, salvo quando se tratar da contratação de trabalhadores terceirizados para o exercício de atividades-meio do tomador de serviços.
A terceirização de longo prazo, portanto, pode ser conceituada como o contrato de terceirização por meio do qual a empresa interposta fornece, a um tomador de serviços, empregados seus que atuarão na realização de atividade-meio deste tomador de serviços.
A saudosa magistrada ALICE MONTEIRO DE BARROS, ao tratar da terceirização de longo prazo, afirma que[6]:
O fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio.
No mesmo sentido, assevera SÉRGIO PINTO MARTINS[7] que:
Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens, como de serviços, como ocorre na necessidade de contratação de empresa de limpeza, de vigilância ou até para serviço temporário.
Com base no conceito trazido pela doutrina e no inciso III da Súmula ora trabalhada, é possível apontar as características da terceirização lícita de longo prazo:
Inicialmente, só se admite a terceirização de longo prazo quando relativa à realização de atividade-meio do tomador de serviços, assim, entendida aquela atividade não afeta ao objeto principal da atividade do tomador, ou seja, que não se constitui nos fins do tomador de serviços.
Reportemo-nos à lição do ministro GODINHO DELGADO[8]:
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.
Como exemplo, temos que a atividade-fim de uma escola é prestar o ensino, sendo a limpeza do estabelecimento escolar atividade-meio de tal empresa. Assim, é possível a terceirização para contratação de trabalhadores do setor de limpeza (atividade-meio), mas não para a contratação de professores (atividade-fim).
A Súmula dispõe que comportam contratação por terceirização os serviços de vigilância, de conservação e de limpeza. Porém, tal rol é meramente exemplificativo, sendo a terceirização lícita para quaisquer outros serviços ou necessidades, desde que relativos à atividade-meio do tomador de serviços.
No caso, a empresa interposta deve ser terceirizadora de serviços especializados. Assim, não é qualquer empresa que pode oferecer mão de obra à terceirização, senão apenas aquela especializada no ramo de serviço terceirizado (exemplos: uma empresa especializada em limpeza e conservação, uma empresa especializada em jardinagem, dentre outras).
Por fim, estabelece ainda o inciso III da Súmula nº 331 do TST que, para ser lícita a terceirização de longo prazo, deve inexistir pessoalidade e subordinação direta na prestação de serviços ao tomador.
O motivo é simples: tanto a pessoalidade como a subordinação direta são características próprias da relação de emprego (artigos 2º, caput, e 3º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho[9]), de modo que, se presentes na prestação de serviços terceirizados, forma-se verdadeira relação empregatícia entre o tomador de serviços e o empregado da empresa interposta.
Assim, não pode o tomador exigir que o serviço seja prestado por determinado empregado da empresa interposta, cabendo exclusivamente a esta escolher quais de seus empregados serão escalados para a prestação de serviços.
Da mesma forma, não pode o tomador de serviços exercer poder de direção sobre o empregado da empresa interposta, vale dizer, este não fica diretamente subordinado ao tomador de serviços. O trabalhador terceirizado é empregado da empresa interposta, e só a esta deve subordinar-se. O tomador contrata com a empresa interposta, fazendo a esta suas exigências e sendo esta quem direciona o empregado terceirizado na prestação dos serviços.
Dentro de tais parâmetros fixados pelo inciso III da Súmula nº 331 do TST, é lícita e juridicamente possível a terceirização de longo prazo.
Por outro lado, ausente qualquer dos supramencionados requisitos (atividade-meio do tomador; empresa terceirizadora especializada; ausência de pessoalidade e de subordinação direta na prestação de serviços ao tomador), a terceirização é ilegal, constituindo-se vínculo empregatício entre o tomador de serviços e o empregado da empresa interposta.
Entretanto, há um caso em que a ilegalidade da terceirização não resultará na constituição de vínculo empregatício entre o tomador dos serviços e o empregado da empresa interposta: quando o tomador for a Administração Pública.
Segundo o inciso II da Súmula 331 do TST, “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional”.
Essa exceção à regra tem um fundamento muito simples: o princípio da obrigatoriedade de concurso público, que apregoa ser indispensável a prévia aprovação em concurso público (de provas, ou de provas e títulos) para o ingresso em cargo ou emprego público.
O artigo 37 da Constituição Federal, ao tratar da Administração Pública, institui em seu inciso II o princípio da obrigatoriedade do concurso público, segundo o qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”, disposição esta que é reforçada pelo inciso I e §2º do mesmo artigo 37.
Segundo o ensinamento do saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES[10]:
O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF.
Conforme lição de CUNHA JÚNIOR[11]:
Para ter acesso aos cargos e empregos públicos, é necessária a prévia aprovação em concurso público.(...)Em razão do preceito em tela, os cargos públicos e os empregos públicos, ressalvados aqueles de provimento em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, só podem ser providos mediante concurso público de provas ou de provas e títulos.(...)A exigência do concurso público para o acesso aos cargos e empregos públicos reveste-se de caráter ético e moralizador, e visa assegurar a igualdade, impessoalidade e o mérito dos candidatos. Dessa forma, tal exigência só pode ser excepcionada nas restritas hipóteses previstas pela própria Constituição Federal, uma vez que, segundo a Súmula nº 685 do STF, “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Ora, se a prévia aprovação em concurso público é de observância obrigatória por força da própria Constituição Federal, apenas pode ser excepcionada por norma que esteja, igualmente, no próprio texto constitucional e, como não há disposição constitucional afastando a exigência de concurso público às hipóteses de terceirização ilegal, impossível (e inconstitucional) seria, nesses casos, o reconhecimento de vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a Administração Pública tomadora de serviços.
Nesse sentido, e justificando a opção jurisprudencial sumulada, se manifesta o ministro GODINHO DELGADO[12], para quem:
Nesse quadro constitucional, torna-se inviável, juridicamente, acatar-se a relação empregatícia com entidades estatais mesmo em situações de terceirização ilícita, já que, nesse caso, o requisito formal do concurso público não terá sido cumprido (art. 37, II, e § 2º, CF/88). Para a constituição, a forma passou a ser, portanto, da essência do ato de admissão de trabalhadores em entes estatais.
Mencione-se, nesse passo, também dispõe a Súmula nº 363 do TST:
Súmula nº 363 - Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
É de se perceber que a Súmula nº 363, apesar de estabelecer que a mera ilegalidade da terceirização não resulta na constituição de relação de emprego entre o trabalhador terceirizado e a Administração Pública, deixa clara a responsabilidade desta em arcar com a contraprestação pactuada e com o depósito do FGTS.
E bem agiu a Súmula ao assim prever, posto que medida diversa (ou seja, isentar-se a Administração Pública do pagamento das mencionadas verbas) traria severo prejuízo ao trabalhador terceirizado e a todos que dele dependessem, bem como consistiria em locupletamento ilícito por parte do Poder Público, o que, sabe-se, é inadmissível para o ordenamento jurídico pátrio.

2.3 A responsabilidade do tomador privado de serviços na terceirização de longo prazo

Conforme já explanado, na terceirização há uma desvinculação entre a relação de emprego e a prestação de serviços, posto que, apesar de prestar serviços ao tomador, o trabalhador é empregado apenas da empresa interposta.
Portanto, é a empresa interposta quem deve remunerar o empregado, pagando a ele as verbas salariais e as demais verbas a ela conexas, inerentes à relação de emprego.
Assim, ao menos inicialmente, poder-se-ia imaginar que o tomador não teria qualquer responsabilidade pelo pagamento ou pelo não pagamento das verbas que a empresa interposta deve ao empregado prestador dos serviços.
Entretanto, não é correta tal afirmação.
Isto porque, o inciso IV da Súmula nº 331 do TST estabelece que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.
Como se pode depreender do excerto acima transcrito, apesar de não ser parte da relação de emprego, o tomador de serviços tem responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado terceirizado.
Cabe agora analisar as características e os requisitos dessa responsabilização do tomador de serviços privado no contrato de terceirização de longo prazo.
Inicialmente, verifica-se que a responsabilidade do tomador de serviços privado é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo por parte do tomador.
Segundo a indispensável lição de CARLOS ROBERTO GONÇALVES[13]: “nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova da culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Ela é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco”.
Fica clara a responsabilidade objetiva, tendo em vista que o referido inciso IV da Súmula nº 331 do TST não condiciona a responsabilidade do tomador privado à existência ou à prova de qualquer conduta dolosa (em que há consciência e vontade de praticar o ato ilícito) ou culposa (que envolva imprudência, negligência ou imperícia).
Daí os dizeres de ALICE MONTEIRO DE BARROS[14], para quem: 
Reconhecida a responsabilidade objetiva de quem se utilizou dos serviços, por meio da terceirização, pouco importa tenha ele dado ou não causa à cessação do contrato de trabalho do reclamante, assumirá os encargos sociais.
Materialmente, portanto, para a responsabilização do tomador privado, basta que não sejam pagas pela empresa interposta as verbas trabalhistas devidas ao empregado.
Em segundo lugar, tem-se que a responsabilidade do tomador privado é subsidiária, ou seja, o tomador privado apenas responderá pelo quantum de verbas trabalhistas excedente do patrimônio da empresa interposta.
Ou seja, quem primeiro responde é a empresa interposta e, se o patrimônio desta for suficiente à satisfação de toda a obrigação trabalhista, não há que se responsabilizar o tomador de serviços.
Por outro lado, se, acionada a empresa interposta, seu patrimônio for insuficiente à satisfação integral da obrigação trabalhista, deverá o tomador de serviços responder pela parcela da obrigação trabalhista que não foi satisfeita pela empresa interposta.
Em termos processuais, todavia, o referido inciso IV da Súmula 331 impõe dois requisitos para que possa o tomador responder pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado: (a) que o tomador haja participado da relação processual; e (b) que conste do título executivo judicial.
Para ser responsabilizado pelas verbas trabalhistas inadimplidas, deve o tomador de serviços ter sido parte no processo em que se discutiram tais verbas. Esta disposição da Súmula bem se coaduna com o princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV da Constituição Federal, e segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Por força de tal princípio e do disposto no inciso IV da Súmula nº 331, não pode o tomador ser responsabilizado pelas referidas verbas sem que lhe seja conferida oportunidade de, no processo judicial, exercer sua defesa e seu contraditório, a fim de também atuar na formação do convencimento do julgador.
A presença do contraditório, aliás, como bem aponta a doutrina especializada, é o elemento legitimador da atividade jurisdicional[15], motivo pelo qual não pode restar ausente no processo judicial, sob pena de tornar inexistente o processo[16].
Não basta, porém, a participação do tomador no processo judicial, de modo que este só pode ser responsabilizado subsidiariamente se tal responsabilidade constar do título executivo judicial, ou seja, apenas responderá se condenado em sentença ou acórdão do processo em que foi parte. É assim, posto que se a obrigação do tomador não constar de decisão judicial condenatória, não há contra ele qualquer título executivo.
Dessa forma, a responsabilização subsidiária do tomador depende de este ser condenado em decisão judicial proferida ao final de processo em que foi parte e teve a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa.
Isto, aliás, bem se relaciona com o texto legal, já que, segundo o artigo 506 do novo Código de Processo Civil (que manteve o disposto na primeira parte do artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973), “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
Com relação à amplitude da responsabilização do tomador privado, estabelece o inciso VI da Súmula nº 331 do TST que “a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.
Assim, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços compreende todas as verbas declaradas na sentença e relativas ao período em que o empregado prestou serviços a ele. Segundo RESENDE[17], a responsabilidade do tomador de serviços “abrange todas as parcelas decorrentes da condenação imposta ao prestador de serviços (terceiro), ainda que indenizatórias ou punitivas”.
Portanto, numa interpretação a contrario sensu, tem-se que fica excluído da responsabilidade do tomador o pagamento de verbas não referidas na sentença ou que não correspondam ao período em que o empregado terceirizado lhe prestou serviços.

2.4 A responsabilidade da Administração Pública na terceirização de longo prazo

Consoante examinado no item anterior, o tomador de serviços particular responde subsidiariamente, mas de forma objetiva (ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa), pelo inadimplemento das verbas trabalhistas devidas pela empresa interposta ao empregado terceirizado, bastando para tal responsabilização a mera inadimplência da empresa interposta.
Todavia, pode o tomador dos serviços não ser um particular, mas sim a própria Administração Pública, contratando com observância da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e de Contratos Administrativos). Em virtude disso, a Súmula nº 331 do TST consagrou também, de forma expressa, a responsabilidade da Administração Pública na terceirização, como tomadora de serviços, em relação às verbas devidas ao empregado e inadimplidas pela empresa interposta.
Preceitua o inciso V da Súmula nº 331 do TST que “os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.
Conforme se pode abstrair da redação do referido verbete sumular, os entes da Administração Pública, quando tomadores de serviço em terceirização, também respondem pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado terceirizado.
Aliás, afirma o mencionado inciso que tais entes da Administração Pública “respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV”, ou seja, a responsabilidade da Administração Pública, assim como a responsabilidade do tomador privado, é subsidiária (e não solidária ou principal) e depende de esta ser expressamente condenada em decisão judicial proferida em processo do qual foi parte ré (podendo exercer o contraditório e a ampla defesa e, assim, influir ativamente na formação do convencimento do magistrado).
Todavia, nada obstante essa semelhança inicial, tal dispositivo sumular concebeu tratamento diferenciado à Administração Pública quanto à sua responsabilização, lhe estabelecendo uma forte prerrogativa não conferida ao tomador particular: a responsabilidade subjetiva, dependente de demonstração de culpa in vigilando.
Culpa in vigilando, segundo ressalta CARLOS ROBERTO GONÇALVES[18], é a que “decorre da ausência de fiscalização”.
Segundo dispõe o inciso V da supracitada Súmula, a Administração Pública apenas será responsabilizada se “evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”.
Em outras palavras: para que a Administração Pública possa responder subsidiariamente pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado, deve restar comprovado que agiu com culpa, decorrente da não observância das normas relativas à licitação e ao contrato administrativo (regulados pela Lei nº 8.666/1993), especialmente quanto à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas legais e contratuais da empresa interposta em relação a seus empregados.
O texto desse inciso V da Súmula nº 331 traz ênfase bastante contundente em relação à fiscalização, pela Administração Pública tomadora, do cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa interposta em relação aos empregados desta.
Frise-se: a intenção da Súmula é consagrar, como prerrogativa da Administração Pública em contratos de terceirização, a sua responsabilidade meramente subjetiva, decorrente de culpa in vigilando.
E, no intuito de reforçar a existência da mencionada prerrogativa, o verbete sumular termina afirmando que “a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”, o que deixa ausente de dúvidas o afastamento da responsabilidade objetiva da Administração Pública como tomadora em contratos de terceirização.
A razão dessa disposição diferenciada para a Administração Pública tomadora de serviços se encontra no artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), segundo o qual:
Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
O referido artigo 71, §1º, da Lei de Licitações teve sua constitucionalidade discutida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON nº 16/2007), ação esta que culminou em decisão de procedência proferida em maioria de votos pelo Pretório Excelso, de modo a declarar sua constitucionalidade[19].
Foi justamente sua declaração de constitucionalidade pelo STF (mediante decisão publicada no DOU de 3-12-2010) que resultou na inserção do supramencionado inciso V à Sumula nº 331 do TST.
Segundo tal dispositivo legal, a Administração Pública não tem responsabilidade em relação às verbas trabalhistas, fiscais e comerciais inadimplidas pelo contratado. Assim, estabelece que a Administração Pública não pode ser responsabilizada em virtude do mero inadimplemento de obrigações por parte do contratado.
Daí o inciso V da Súmula nº 331 do TST ser tão contundente em afirmar que a responsabilidade da Administração Pública tomadora não decorre do mero inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da empresa interposta, apenas se configurando em caso de evidenciada culpa in vigilando.
Afirma RESENDE[20] que, por decorrência da declaração de constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993, “a responsabilização subsidiária da Administração Pública em caso de terceirização e inadimplência da empresa prestadora de serviços (terceiro) não poderá ser automática, ou seja, o item IV da Súmula 331 não se lhe aplica”. Reforça-se, portanto, a mencionada ideia da responsabilidade subjetiva da Administração Pública.
No mais, aplica-se à Administração Pública o disposto no inciso VI da Súmula nº 331 do TST, de modo que sua responsabilidade, assim como a do tomador privado, abrange todas as verbas declaradas na sentença e relativas ao período em que o empregado terceirizado lhe prestou serviços.

2.5 Críticas à forma de responsabilização da Administração Pública na terceirização de longo prazo

Não obstante a declaração de constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei de Licitações pelo STF, é ainda mister que nos posicionemos contrariamente à opção jurisprudencial quanto à forma de responsabilização da Administração Pública em contratos de terceirização.
E vários são os fundamentos, inclusive constitucionais, para tanto.
Inicialmente, há que se mencionar que, apesar do entendimento do STF, padecem de incompatibilidade com o texto constitucional o artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993 e, conseqüentemente, o inciso V da Súmula nº 331 do TST. Isto porque o artigo 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 consagrou a tão aplaudida responsabilidade objetiva da Administração Pública[21].
A responsabilidade objetiva da Administração Pública é um marco na história do Direito, já que é fruto de longa e complexa construção jurídica: no início, imperava a irresponsabilidade da Administração Pública (não sendo ela responsabilizada por qualquer dano que causasse), quadro que foi progressivamente se alterando com o passar dos séculos, até chegar aos dias atuais, em que impera a responsabilidade objetiva da Administração Pública, solidificada no texto constitucional.
Consoante a precisa lição de HELY LOPES MEIRELLES[22] acerca do artigo 37, §6º, da Constituição da República:
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES[23], ao tratar da responsabilidade da Administração Pública, afirma que “não se exige, pois, comportamento culposo do funcionário. Basta que haja o dano, causado por agente do serviço público agindo nessa qualidade, para que decorra o dever do Estado de indenizar”. Assim também as palavras de HELY LOPES MEIRELLES[24], para quem "o essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las".
Ora, se a Administração Pública deve responder objetivamente pelos danos que causar, não cabe condicionar a responsabilização desta, como tomadora em contratos de terceirização, à comprovação de culpa. A demonstração de culpa, como se sabe, liga-se ao conceito de responsabilidade subjetiva (e não ao de responsabilidade objetiva, que prescinde totalmente da verificação de culpa).
Assim, a exigência da demonstração de culpa por parte da Administração Pública, como requisito à sua responsabilização em contratos de terceirização, é medida que não se coaduna com o texto constitucional.
Antes mesmo da decisão do STF acerca da ADECON nº 16/2007, bem asseverava o ministro GODINHO DELGADO[25] no sentido da inconstitucionalidade da não responsabilização objetiva da Administração Pública em contratos de terceirização:
Mais ainda: tal exceção efetuada pela Lei de Licitações desrespeitaria, frontalmente, clássico preceito constitucional responsabilizatório das entidades estatais (a regra da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, insculpida já há décadas na história das constituições brasileiras). Semelhante preceito constitucional responsabilizatório não só foi mantido pela Carta de 1988 (art. 37, § 6º, CF/88) como foi inclusive ampliado pela nova Constituição, abrangendo até mesmo as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (§ 6º do art. 37, CF/88).Ora, a Súmula 331, IV, não poderia, efetivamente, absorver e reportar-se ao privilégio de isenção responsabilizatória contido no art. 71, § 1º da Lei de Licitações – por ser tal privilégio flagrantemente inconstitucional. A súmula enfocada, tratando, obviamente, de toda a ordem justrabalhista, não poderia incorporar em sua proposta interpretativa da ordem jurídica – proposta construída após largo debate jurisprudencial – regra legal afrontante de antiga tradição constitucional do país e de texto expresso da Carta de 1988.
Não bastasse a afronta ao princípio da responsabilidade objetiva da Administração Pública, há que se analisar outra questão: a razoabilidade da responsabilização subjetiva da Administração Pública tomadora face à responsabilidade objetiva do tomador privado.
A discussão coloca-se em torno de uma simples questão, qual seja, o próprio artigo 37, caput, da Constituição Federal, ao estabelecer as diretrizes principiológicas gerais da Administração Pública, dispõe que esta deve obedecer “aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Uma desses princípios se destaca: o princípio da moralidade, segundo o qual, pelas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[26]:
A Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé (...). Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.
De forma mais sucinta, afirma ainda CUNHA JÚNIOR[27] que:
Esse princípio determina o emprego da ética, da honestidade, da retidão, da probidade, da boa-fé e da lealdade com instituições administrativas e políticas no exercício da atividade administrativa. Violá-lo macula o senso comum.
Assim, a Administração Pública deve agir com correção, sempre dentro dos ditames da moralidade, da lealdade e da boa-fé. A prática de ato imoral, ainda que lícito, é reprovável.
Sem sombra de dúvidas, a Constituição Federal exige da Administração Pública uma retidão muito superior à que se exige do mero particular.
Sendo assim, não há qualquer sentido em responsabilizar-se apenas subjetivamente (mediante demonstração de culpa) a Administração Pública tomadora de serviços em terceirização, já que dela a Constituição Federal exige uma mais correta atuação.
Fica ainda menos razoável a responsabilização subjetiva da Administração Pública tomadora quando se leva em consideração que o tomador particular, do qual a lei não exige tamanha lisura, responde objetivamente (independente da demonstração de culpa) pelas verbas inadimplidas pela empresa interposta aos seus empregados.
Há verdadeiro desequilíbrio. Aquele de quem a lei (a Constituição Federal, aliás) exige atuação mais íntegra é quem é responsabilizado de forma mais branda, ao passo que aquele de quem a lei não exige, ao menos com tanta contundência, conduta tão reta, é responsabilizado de forma mais gravosa.
Por fim, há ainda que se fazer uma consideração importante:
O ordenamento jurídico trabalhista pátrio é construído, fundamentalmente, sobre o princípio da proteção ao empregado, que se encontra implícito na norma do artigo 7º da Constituição Federal (que trata dos direitos sociais básicos) e que tem por escopo sanar a desigualdade fática existente entre as partes da relação de emprego (buscando, portanto, uma maior igualdade material entre elas).
Isto porque o legislador trabalhista brasileiro reconhece a vulnerabilidade e a hipossuficiência materiais do empregado na relação de emprego, já que é este quem necessita manter, tão somente com as verbas remuneratórias que recebe, a subsistência própria e de sua família.
Na terceirização não é diferente: há um empregado, que necessita das verbas remuneratórias (que, aliás, possuem natureza alimentar) para promover o sustento próprio e de sua família.
Assim, se em uma relação de terceirização, a empresa interposta, por insuficiência de patrimônio, deixa de pagar ao seu empregado verbas que lhe são de direito (e as quais são imprescindíveis à sua subsistência) e o Poder Judiciário entende pela não configuração de culpa in vigilando por parte da Administração Pública tomadora dos serviços, o maior prejudicado é exatamente a parte mais vulnerável da relação: o empregado, que não receberá as verbas alimentares de que necessita, correndo, inclusive, o risco de perecer.
Ora, resta claro que a responsabilização meramente subsidiária da Administração Pública pelas verbas inadimplidas ao empregado terceirizado constitui-se em injusto empecilho à mantença da subsistência deste, afrontando inegavelmente, portanto, o princípio da proteção ao empregado.
Assim, em virtude desses três aspectos apresentados, entendemos incorreta a opção jurisprudencial acerca da responsabilidade da Administração Pública como tomadora de serviços em contratos de terceirização, e posicionamo-nos no sentido de que também à Administração Pública deveria ser imposta a responsabilidade objetiva (e não a mera responsabilidade subjetiva, como é o caso).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, ante todo o exposto no presente texto, que a regra da responsabilidade subjetiva da Administração Pública em contratos de terceirização de longo prazo não se coaduna com o texto constitucional, apesar de ter sido incluída na Súmula nº 331 do TST em decorrência de norma legal (artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993) tida por constitucional pelo STF em julgamento de ADECON.

_______________________________________________________________________________
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 414.
[2] "Art. 4º. Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos."
[3] "Art. 2º. Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços."
[4] "Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-Obra."
"Art. 11. O contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei."
[5] KLIPPEL, Bruno. Direito sumular esquematizado - TST. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 417.
[6] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 357.
[7] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 192.
[8] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 425.
[9] "Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."
"Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 396.
[11] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 972-974.
[12] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 429.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59.
[14]  BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 360.
[15] "É a participação das partes interessadas na formação da decisão que confere legitimidade ao exercício da jurisdição. Sem a efetividade do direito de defesa, portanto, estaria comprometida a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional. (...) Nessa perspectiva, não há como deixar de perceber que o direito de defesa também consiste no direito de influir sobre o convencimento do juiz. E isso mediante alegações, requerimento de provas, participação na sua produção, consideração sobre os seus resultados etc". [MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume I – teoria geral do processo. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 311-312].
[16] Tendo-se em vista a essencialidade do contraditório, vem a doutrina conceituando o processo como sendo, verdadeiramente, um “procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, presente o contraditório” [GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; e CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 29º edição. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 317]. Daí porque falar-se que sem a observância do contraditório o processo é inexistente (e não meramente nulo).
[17] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 218.
[18] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 67.
[19] EMENTA: "RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995". [ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219- PP-00011].
[20] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 216.
[21] "Art. 37. (...) §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 743.
[23] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 170.
[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 601.
[25] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 441.
[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 119-120.
[27] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 961.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESISTÊNCIA DA AÇÃO NO PROCESSO CIVIL

INTRODUÇÃO - APRESENTAÇÃO DE UMA ANGÚSTIA

O presente texto, assim como os anteriormente postados nesta página, foi redigido de forma estritamente técnica, sem a manifestação, em seu conteúdo, de quaisquer preferências políticas particulares. Porém - e especialmente desta vez -, a motivação para escrever algumas linhas sobre o presente tema (desistência da ação no processo civil) teve início em uma angústia pessoal.
Ocorre que, ainda ontem, recebi intimação acerca de uma decisão interlocutória, proferida por juiz de uma das comarcas em que atuo, decisão esta com que o referido magistrado indeferiu um pedido de desistência formulado nos autos, sob o fundamento de que, ipsis litteris, "já foi determinada a citação da parte ré" (nada obstante ainda não tivesse o réu sido efetivamente citado e, muito menos, apresentado contestação).
Ora, tal decisão judicial é simplesmente absurda! [Salvo na hipótese de o referido magistrado, sapientíssimo que é - e talvez tomado pelo espírito de Alfredo Buzaid -, ter editado um Código de Processo Civil próprio, vigente apenas nas dependências da vara judicial de que é titular].
Todavia, ante ao idêntico absurdo da hipótese acima veiculada, devemos esclarecer que o magistrado em questão equivocou-se redondamente em seu decidir.
E, justamente com o fito de se prevenirem futuros equívocos quanto ao tema (posto que equívocos dessa natureza, além de serem propícios a causar dano à parte requerente, demandam o dispêndio de tempo e dinheiro com o manejo de recursos que possibilitem a correção do error in procedendo perpetrado pelo juiz), entendi por bem gastar algumas linhas para fazer singelas considerações sobre a desistência da ação no processo civil e as regras a ela pertinentes.
Vamos, pois, à análise do tema proposto:

1. DESISTÊNCIA DA AÇÃO - CONCEITO E DISTINÇÕES

A desistência da ação, segundo conceito dado por CHIOVENDA[1], é "a declaração da vontade de pôr fim à relação processual sem uma sentença de mérito". Ou seja, é a manifestação, feita pela parte autora, do interesse de desistir da ação por ela proposta sem que seja proferida sentença que resolva a lide objeto do processo.
Não por outro motivo, o sistema processual civil brasileiro culminou por inserir a desistência da ação no rol de situações que ensejam a prolação de sentença meramente terminativa (ou seja, sem resolução de mérito), a teor do que já dispunha o artigo 267, VII, do Código de Processo Civil de 1973[2], cujo conteúdo foi mantido pelo artigo 485, VIII, do novo Código[3].
Tem-se que a desistência é uma contramanifestação do direito de ação, como bem assinala CARNELUTTI[4]: "como a lei deixa à parte a iniciativa do processo, colocando à sua disposição a ação, assim lhe atribui também a faculdade de desistir de tal iniciativa".
Daí concluir-se que apenas a parte autora pode desistir. Ora, sendo a demanda movida pelo autor, a desistência da pretensão inicial apenas por ele pode ser veiculada. Aliás, consistiria em absurdo teratológico a eventual possibilidade de o réu desistir da ação proposta pelo autor, já que, com isto, estar-se-ia admitindo a disposição, por um indivíduo, de um direito subjetivo de outrem (o direito de ação do autor).
Dessa forma, não se admite desistência da ação por parte do réu - salvo quando se tratar de reconvenção, posto que o réu, quanto à reconvenção (que tem natureza de ação processual), assume a posição de autor[5]. Vale dizer, o reconvinte é um demandante, podendo desistir dessa demanda que iniciou (no caso, a reconvenção).
Ademais, consoante o nosso ordenamento jurídico processual civil[6], a desistência da ação não produz efeitos imediatos, ou seja, a mera manifestação de desistência pela parte autora não culmina na extinção do processo sem resolução do mérito. É necessário o preenchimento de uma condição: a homologação da desistência pelo juiz.
Isto porque, como bem salienta THEODORO JÚNIOR[7], "a relação processual não envolve apenas as partes, mas também o juiz, que, por isso, não pode ficar estranho ao ato extintivo". Assim, apenas com a homologação, o juiz, reconhecendo a desistência, finaliza a ação sem decidir seu mérito.
É mister frisar também que a desistência tem caráter unicamente processual, não atingindo o direito material da parte. Finda-se, com ela, tão somente o processo, sem que seja extinto o direito substantivo debatido na lide, que, assim, poderá ser futuramente discutido em nova ação processual.
Urge, pois, não confundir a desistência da ação com a renúncia ao direito, esta, sim, consistente na abdicação do direito material pela parte, o que a impede de ingressar posteriormente em juízo para, novamente, pleitear a tutela de tal direito, do qual abriu mão.
Como esclarece THEOTONIO NEGRÃO[8]:
A desistência da ação não importa renúncia ao direito. Por isso, a sentença homologatória de desistência da ação não impede o ajuizamento de nova demanda contra o réu, visando ao mesmo objetivo.
Aliás, essa ideia é corroborada pelo fato de que a desistência é causa de extinção do processo sem resolução de mérito, motivo pelo qual não faz coisa julgada material (senão meramente formal); ao passo que a sentença homologatória da renúncia é resolutiva de mérito, perfazendo coisa julgada material[9].

2. MOMENTO EM QUE SE ADMITE A DESISTÊNCIA DA AÇÃO. A UNILATERALIDADE DA DESISTÊNCIA MANIFESTADA ANTES DA CONTESTAÇÃO

O objetivo primordial da desistência da ação, como visto, é a extinção do processo sem a análise do mérito, ou seja, sem que seja proferida decisão judicial que confira solução à lide levada a juízo e, assim, distribua o direito entre as partes.
Dessa forma, é de cunho eminentemente lógico a conclusão de que a desistência apenas é admitida antes da prolação da sentença. Ou seja, pode a parte desistir da ação em qualquer momento do processo, contanto que anteriormente à sentença de primeiro grau.
Ora, proferida a sentença, resta esgotada a finalidade da desistência!
Isto se percebe de forma mais clara quando se leva em consideração a sentença definitiva, posto que, ao resolver o mérito, torna impossível qualquer pretensão de extinção do feito sem a referida resolução. Mas, também em sendo proferida sentença terminativa, cessa à parte o direito de desistir da ação, já que o escopo de se obter uma extinção do processo sem resolução de mérito já foi alcançado por fatores diversos.
Após a sentença, admite-se tão somente a desistência de eventual recurso interposto, o que não se confunde com a desistência da ação, já que aquela não extingue o processo sem a resolução do mérito, senão apenas faz transitar em julgado, de imediato, a sentença anteriormente proferida.
Esse entendimento encontrava-se, já há muito, consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, consoante se pode depreender da lição de THEODORO JÚNIOR[10], para quem:
O limite temporal do direito de desistir da ação é a sentença, de sorte que não é concebível desistência da causa em grau de apelação ou outro recurso posterior, como os embargos infringentes e o recurso extraordinário. (...) se a causa está pendente de recurso interposto pelo autor, pode este desistir do recurso, mas não pode desistir da ação. Com a desistência do recurso opera-se o trânsito em julgado da decisão recorrida; com a desistência da ação, far-se-ia cair a decisão de mérito.
Incorporando esse consolidado posicionamento, estipulou também o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 485, §5º, o momento da sentença como limitação ao direito de desistência, ao dispor que "a desistência da ação pode ser apresentada até a sentença".
Assim, antes de proferida a sentença, pode o autor, a qualquer momento, desistir da ação por ele proposta, desistência esta que, como analisado anteriormente, produzirá efeitos apenas a partir de sua homologação judicial.
Porém, a depender do momento em que o autor manifestar sua desistência, pode esta ficar condicionada a mais um requisito: o consentimento do réu; isto porque a relação processual, quando aperfeiçoada, tem em sua composição também o réu, que, assim como o autor, possui direito à prestação jurisdicional. Segundo os dizeres de CHIOVENDA[11], o réu "tem direitos iguais ao autor, particularmente, o direito de pedir a sentença de mérito".
Como se sabe, com a apresentação da petição inicial pelo autor, surge uma relação jurídica processual, composta, inicialmente, de apenas dois sujeitos: o autor e o juiz. A relação processual se inicial, portanto, de modo bilateral e linear.
Mas, ao processo, mormente ante a garantia do contraditório (que é legitimadora da prestação jurisdicional), não basta que seja integrado apenas por autor e juiz, sendo, pois, indispensável a presença do réu, o que se faz possível mediante sua citação - posto que, como já bem ensinava CARNELUTTI[12]: "se bem que não seja impossível, o comparecimento espontâneo não corresponde desde já à regra geral" -.
Desse modo, com a efetivação da citação do réu, passa este a também integrar o processo, completando-se a relação processual, que, a partir de então, torna-se trilateral e triangular (autor, réu e juiz). Fala-se, assim, que a citação do réu angulariza a relação jurídica processual.
Segundo ensina MONTENEGRO FILHO[13], "o ingresso da petição inicial em juízo origina uma relação bilateral, estabelecida entre o autor e o juiz, reclamando o aperfeiçoamento da citação do réu para a angularização dessa relação, estabelecendo-se, após isso, uma relação entre o autor, o juiz e o réu".
Quando o réu passa a integrar o processo, surge a ele o direito de neste influir, motivo pelo qual, a partir da citação, ocorre a chamada estabilização da demanda, que impede o autor de, sem o consentimento do réu, alterar o pedido ou a causa de pedir expostos na petição inicial. O aditamento da inicial, portanto, só pode ser feito unilateralmente pelo autor até o momento da citação do réu. Eis a regra contida no artigo 329 do novo Código de Processo Civil[14], que apenas manteve a disposição já constante do artigo 264 do Código de 1973[15].
Daí, tendo em vista ser necessário, a partir da citação, o consentimento do réu para que o autor modifique a petição inicial, o intérprete desatento poderia imaginar que, com a citação, também a desistência da ação dependeria do assentimento exarado pelo réu.
Nada obstante tal raciocínio pudesse ter alguma lógica, está completamente equivocado!
Ocorre que, quanto à exigência de consentimento do réu para a desistência da ação, o sistema processual civil brasileiro - tanto no Código Processual de 1973 (artigo 267, §4º[16]), como no novo Código de Processo Civil (artigo 485, §4º[17]) - adota critério diferente do da citação, qual seja: o oferecimento de resposta pelo réu.
Por este critério, tem-se que o autor apenas necessita do consentimento do réu para desistir da ação a partir do momento em que este apresentar a sua resposta - o que, numa interpretação a contrario sensu, significa que tem o autor o direito de desistir unilateralmente da ação (ou seja, independentemente do consentimento do réu) até que seja apresentada a peça de defesa.
Nesse sentido, leciona magistralmente ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS[18]:
Formada que fosse a relação processual, o lógico seria a impossibilidade de desistência sem o consentimento do réu. Mas a lei foi mais à frente e admitiu a possibilidade de desistência até que decorra o prazo de resposta, levando em conta que, até referido momento, não se pode deduzir qual seja a intenção do réu, à frente do processo.
É mister, portanto, não confundir o aditamento unilateral da petição inicial com a desistência unilateral da ação: (a) quanto ao aditamento, será unilateral apenas até o momento da citação do réu (em que ocorre a estabilização da demanda); ao passo que, (b) no que se refere à desistência da ação, haverá unilateralidade até o momento da apresentação da contestação pelo réu.
Conclui-se, assim, que, ainda que citado o réu, se não tiver ainda apresentado contestação, tem o autor o direito de, unilateralmente - frise-se, sem o consentimento do réu -, desistir da ação, cabendo ao juiz homologar a desistência, extinguindo o processo sem resolução de mérito.
Porém, a partir da apresentação da contestação, torna-se a desistência da ação um ato bilateral, restando indispensável, para sua concretização, o assentimento do réu: caso este aceite a desistência, caberá ao juiz homologá-la; se discordar, entretanto, não poderá o juiz proceder à homologação.
E o fundamento dessa posterior bilateralidade é simples: segundo já explanado, o réu, como parte processual que é, também tem direito à prestação jurisdicional, podendo ser-lhe mais adequado, por algum motivo, continuar a ação que já se encontra em andamento, caso em que lhe é facultado dissentir da desistência manifestada pelo autor.
Assim, a lição de CÂMARA[19]:
Tal regra se explica pelo fato de que o demandado, tanto quanto o demandante, exerce no processo seu poder de ação, e tem direito de postular tutela jurisdicional em seu favor. Assim, no caso de já terem ambas as partes dado início ao exercício do poder de ação, só se poderá extinguir o processo por desistência se ambas tiverem desistido.
Por fim, frise-se que, nada obstante possa o réu discordar da desistência, deve fazê-lo de modo adequadamente fundamentado. Ocorre que cabe ao juiz analisar os motivos do dissentimento exposto pelo réu, de modo a considerá-los apenas caso se mostrem razoáveis. Nessa esteira, afirma RIOS GONÇALVES[20] que "a discordância do réu quanto ao pedido de desistência há de ser fundamentada, não podendo ele opor-se injustificadamente".

3. REPROPOSITURA DA AÇÃO DESISTIDA E DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA

Conforme analisado ainda no primeiro item deste texto, a parte que, desistindo da ação, obtiver, com sua homologação, a extinção do feito sem resolução do mérito, poderá propor novamente a mesma ação, tendo em vista que a desistência não gera abdicação ao direito substancial debatido na lide, e que, na ação desistida, não há formação de coisa julgada material.
Deve-se clarear, porém, que, extinta uma ação por desistência, posto não haver julgamento de mérito, sua posterior repropositura ensejará distribuição por dependência, consoante disposição que já constava do artigo 253, II, do Código de Processo Civil de 1973[21], mantida, agora, pelo artigo 286, II, do novo Codice[22].
Desse modo, a nova ação será distribuída obrigatoriamente à mesma vara judicial em que tramitou a ação anterior extinta em virtude da desistência, medida esta que tem por objetivo impedir que o autor da ação se valha de meios escusos para conseguir a tutela que busca com o processo.
Isto porque, como bem se sabe, ante a ausência de uma uniformidade de entendimento no Poder Judiciário, atualmente existe verdadeira "loteria judiciária" (também denominada "jurisprudência lotérica"[23]): uma mesma ação, com mesma causa de pedir e pedido, pode ter provimentos totalmente distintos a depender da comarca e da vara para a qual for distribuída.
E exatamente por isso obsta-se que o possa o indivíduo, fazendo uso dessa pluralidade de entendimentos judiciais, desistir e repropor a ação tantas vezes quanto o necessário para que, finalmente, seja ela distribuída a uma vara judicial cujo entendimento aponte pela procedência de seu pleito.
Nesse sentido, asseveram MARINONI e ARENHART[24] que "o objetivo dessa norma foi exatamente o de impedir ao autor desistir da ação e, após, ver a mesma ação distribuída a outro juiz", já que em tempos passados, conforme apontam os mesmos autores, "a prática passou a assistir a um fenômeno curioso: após a distribuição da petição inicial a um juiz não favorável à sua pretensão, o autor deixava de pagar as custas do processo - e assim permitia a extinção do processo - ou desistia da ação, para então propor novamente a ação e ter a oportunidade de vê-la distribuída a outro juiz".
Por esses fundamentos, a ação extinta por desistência, quando reproposta, deve ser distribuída por dependência ao mesmo órgão judicial em que tramitou a ação anterior desistida.
Porém, excedendo um pouco o objeto do presente texto, aproveito a oportunidade para tecer uma crítica ao referido sistema:
De fato, se não se estipulasse a distribuição por dependência aos caso de extinção da ação anterior sem resolução de mérito, estar-se-ia dando margem a que os jurisdicionados burlassem intencionalmente a imparcial alternatividade da distribuição.
Ocorre que essa medida não seria necessária se houvesse uniformidade de entendimento pelo Poder Judiciário, posto que, nesse caso, a distribuição do direito seria igualitária em todas as varas judiciais, de modo a ser indiferente a vara a que fosse distribuída a ação.
Perceba-se que a uniformização de entendimento (possível, por exemplo, mediante a adoção de um sistema de precedentes judiciais vinculantes[25]), longe de dúvidas, é meio apto não apenas a impedir essas violações na distribuição das ações, mas, verdadeiramente, a garantir maior coerência, segurança jurídica e igualdade de tratamento aos indivíduos que se utilizam do serviço jurisdicional. Seria, pois, uma solução global (e não meramente específica, como é o caso da distribuição por dependência quando da extinção sem resolução de mérito).
Ora, sendo assim, melhor seria que, ao invés de criar meios para resolver individualmente cada um dos problemas do processo judicial, buscasse o legislador melhorar o sistema como um todo, mormente ante a ampliação e melhor regulamentação de instrumentos que objetivassem a uniformização de entendimento judicial.

4. DESISTÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO

A desistência da ação, apesar de comumente ocorrer quanto a todas as partes rés do processo, pode ser manifestada quanto a apenas um ou alguns dos demandados. Ou seja, em havendo litisconsórcio passivo, o autor da ação pode dela desistir com relação a todos os réus (desistência total) ou, apenas, com relação a um ou alguns deles (desistência parcial).
No caso de desistência parcial, não se exige o consentimento de todos os corréus, senão apenas daqueles abrangidos pela desistência do autor e, ainda assim, consoante a regra geral, somente dos que já tiverem apresentado resposta (contestação) quando da manifestação de desistência pelo autor. Assim, quanto aos demandados que ainda não contestaram, bem como quanto aos não abarcados pela desistência parcial, é esta ato unilateral.
Daí a preleção de THEOTONIO NEGRÃO[26], para quem, em caso de litisconsórcio passivo, "a desistência da ação quanto a alguns co-réus somente exige a anuência destes, dispensando a dos demais".
A questão de maior relevo acerca da desistência parcial da ação, todavia, relaciona-se com o prazo para contestar dos litisconsortes passivos, quando houver desistência em relação a réu ainda não citado.
Isto porque o artigo 335, §2º, do novo Código de Processo Civil[27], mantendo a disposição do artigo 298, parágrafo único, do Código de 1973[28], estabelece que, na hipótese de desistência da ação contra corréu ainda não citado, o prazo para apresentação de resposta começa a correr da data da intimação acerca da decisão homologatória da desistência parcial.
Ou seja, realizada a desistência parcial unilateral em relação a litisconsorte passivo ainda não citado para a ação, o prazo para contestar terá início, para todos os demais réus, quando da intimação de cada qual deles sobre a decisão judicial que homologou a referida desistência.
Trata-se, pois, de exceção à regra geral segundo a qual o prazo para resposta é comum a todos os litisconsortes.
Conforme a lição de RIOS GONÇALVES[29]:
Quando há vários réus, o prazo de contestação só começará a correr depois que todos estiverem citados. Todavia, se houver desistência em relação a um deles, o prazo de resposta para os demais correrá da intimação da decisão que deferir a desistência, que muitas vezes terá de ser pessoal, quando os demais réus ainda não tiverem comparecido ao processo e constituído advogado.
Cabe, ainda, uma última consideração acerca da desistência parcial: esta não é possível em se tratando de litisconsórcio passivo necessário.
E a assertiva é lógica, tendo em vista que o litisconsórcio necessário é aquele em que - seja por força da lei, seja pela natureza da relação jurídica - não se admite a propositura da ação senão contra todos os legitimados passivos, posto que a eficácia da sentença depende de que todos, tendo participado do processo, sejam por ela abrangidos[30].
Nesse caso, portanto, a desistência parcial prejudicaria o litisconsórcio necessário e, assim, tornaria ineficaz a sentença.

5. DESISTÊNCIA DA AÇÃO E DIREITOS INDISPONÍVEIS

Certa celeuma há acerca da admissibilidade da desistência quando a ação em trâmite tiver por objeto direitos indisponíveis, assim entendidos aqueles direitos que não comportam transação ou abdicação por seu titular.
Surgiu, quanto ao tema, um primeiro posicionamento no sentido de que, em versando a ação judicial sobre direitos classificados como indisponíveis, não poderia a parte autora dela desistir, posto que, com tal atitude, estaria abrindo mão de um direito que não comporta abdicação.
Adepto dessa corrente de entendimento, afirma MONTENEGRO FILHO[31] que:
Há restrição da homologação do pedido de desistência quando a causa versa sobre direito indisponível, resguardado por proteção legal em favor de uma das partes do processo, ainda observada em decorrência da natureza jurídica da lide.
Porém, o referido entendimento aparenta padecer de séria falha técnica.
Ocorre que, como já exaustivamente frisado, a desistência da ação tem cunho exclusivamente processual, não gerando renúncia ao direito material objeto da ação. Assim, mesmo após a desistência da ação, o direito material continua intacto e com a mesma força de antes, não sendo relativizado, transacionado ou abdicado.
Ademais, a homologação da desistência gera sentença meramente terminativa, que, por não resolver o mérito, não faz coisa julgada material, permitindo à parte, a qualquer momento, reingressar em juízo para, em nova ação idêntica, buscar a defesa de seu interesse.
Portanto, mais adequado é entender pela aceitabilidade de desistência da ação mesmo quando esta tiver por objeto lide que envolva direitos indisponíveis. Nesse sentido, a preleção de THEOTONIO NEGRÃO[32], para quem:
Pode haver desistência de ação que verse sobre direitos indisponíveis, porque não impede o ajuizamento de nova demanda contra o réu, visando ao mesmo objetivo.

6. OUTRAS CARACTERÍSTICAS DA DESISTÊNCIA - PODERES PARA DESISTIR, CONTINUIDADE DA RECONVENÇÃO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Inicialmente, tem-se que a desistência da ação, ante a importância das consequências processuais que gera, é ato cuja realização exige que o patrono da parte autora tenha sido por esta constituído mandatário com poderes especiais.
É justamente esta a determinação constante do artigo 38, caput, do Código de Processo Civil de 1973[33], cujo conteúdo foi mantido pelo artigo 105, caput, do novo Código Processual[34].
Ou seja, para que possa a parte desistir da ação por ela proposta, não basta que seu procurador judicial (advogado) possua, pelo instrumento de mandato que lhe fora outorgado, os poderes gerais de representação em juízo (cláusula ad judicia), sendo indispensável que possua poderes especiais, individualmente indicados na procuração, para desistir da ação (cláusula et extra).
Sobre o sentido dessa regra, e fundado no Código de Processo Civil italiano, que continha semelhante exigência (e em que o legislador brasileiro se baseou para criação de nossos códigos processuais), já se manifestava CARNELUTTI[35], ao afirmar que:
A razão de tal norma consiste em que o mandato conferido para propor a demanda não se encontra compreendido do encargo de revogá-la; outra coisa seria, o que geralmente não acontece, se este embargo tivesse conferido expressamente desde o princípio.
Assim, ausente a cláusula expressa e específica que confira ao procurador da parta poderes para desistir da ação, tal ato não poderá por ele ser praticado.
Em segundo lugar, é importante consignar que, tendo sido apresentada reconvenção pelo réu, a desistência da demanda inicial pela parte autora não gera a extinção da reconvenção, que continuará tramitando independentemente, nos termos do disposto no artigo 317 do Código de Processo Civil de 1973[36], cuja regra foi mantida pelo artigo 343, §2º, do novo Código[37].
Isto porque, como já afirmado em momento anterior, a reconvenção possui natureza jurídica de verdadeira ação judicial, apenas veiculada conjuntamente à ação originária em decorrência da ligação existente entre seus objetos.
Desse modo, ocorrida a desistência da ação anterior, apenas esta é extinta sem resolução do mérito; ao passo que a reconvenção, ação autônoma que é, não sofre qualquer abalo, prosseguindo normalmente até possível decisão de mérito.
Consoante lição de ERNANI FIDÉLIS DOS SANTOS[38] acerca da reconvenção:
Em razão de sua independência, irrelevantes tornam-se a seu prosseguimento a extinção anormal do processo principal e a desistência da ação, casos em que a reconvenção tem prosseguimento.
Por fim, uma última característica geral da desistência da ação é o efeito que esta produz no que concerne ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais.
Como regra, vigora para o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios o princípio da sucumbência, segundo o qual a parte derrotada no processo é quem deve arcar com essas custas e honorários (e, havendo procedência parcial do pedido, as custas e honorários são rateados entre as partes). Segundo ERNANI FIDÉLIS DOS SANTOS[39], "em princípio, todas as despesas processuais, no processo de conhecimento, são pagas pelo sucumbente, que é o vencido na solução da lide".
Porém, quando há desistência da ação, excepciona-se o princípio da sucumbência. Isto porque, com a desistência, não há resolução de mérito, de modo a não se determinar qual das partes resta vitoriosa ou derrotada. A sentença homologatória da desistência apenas encerra o processo, sem qualquer pronuncia acerca de qual das partes tem razão.
Ante essa impossibilidade de aplicar-se o critério da sucumbência aos casos de desistência, nosso sistema processual resolve a questão da responsabilidade pelas despesas e honorários com base em outro princípio: o da causalidade.
Assim - consoante disposição que já constava do artigo 26 do Código de Processo Civil de 1973[40] e que foi mantida pelo artigo 90 do novo Código[41] -, havendo desistência, as verbas processuais e honorárias são da responsabilidade da parte que deu causa à extinção do processo, ou seja, o autor.
E, ainda, como forma de distribuição equânime das custas do processo, estabelecem os mesmos dispositivos que, se a desistência for parcial, a parte autora será também responsável pelas despesas e honorários advocatícios, mas apenas proporcionalmente à parcela da ação abrangida pela desistência.
Mencione-se, porém, que, quanto aos honorários advocatícios, predomina o entendimento de que apenas serão de responsabilidade da parte autora se o advogado já tiver ingressado no feito quando da desistência, ou se, mesmo anteriormente ao seu ingresso, a desistência causar prejuízo ao réu (que pode, por exemplo, já ter pago antecipadamente ao seu advogado).
Nessa esteira, ensina THEOTONIO NEGRÃO[42] que "é indevida a verba se a desistência ocorrer antes de ingressar nos autos o advogado do réu ou do executado. (...) Mas é devida se da desistência resulta prejuízo ao réu".

7. DESISTÊNCIA ANTE O JULGAMENTO DE RECURSOS REPETITIVOS

Nosso ordenamento jurídico processual estabelece um sistema de julgamento de recursos repetitivos, visando a conferir, a todas as lides que versarem sobre o mesmo tema, solução uniforme, mediante o julgamento, por amostragem, de um recurso representativo da controvérsia geradora de expressiva quantidade de recursos idênticos.
O Código de Processo Civil de 1973 apenas regula o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, no âmbito de Recursos Especiais.
O novo Código de Processo Civil, porém, ampliou o sistema de julgamento de recursos por amostragem para abranger também os Recursos Extraordinários, de competência do Supremo Tribunal Federal.
E as inovações não pararam por aí: o novo Código estabeleceu um regramento mais completo à matéria, incluindo aí disposições específicas e peculiares sobre a desistência de ações de conhecimento que tiverem por objeto questão resolvida no julgamento de recursos repetitivos, consoante se pode depreender dos três parágrafos de seu artigo 1.040[43].
Segundo estipulam os referidos dispositivos do novo Código, a parte autora pode, em qualquer momento anterior à prolação da sentença (portanto, no primeiro grau de jurisdição), desistir da ação que propôs, caso nela se esteja discutindo questão idêntica à solucionada em julgamento de recursos repetitivos.
Até esse ponto, não se percebe qualquer alteração na regra geral de desistência, já que, como analisado logo ao início do presente texto, em qualquer ação cognitiva pode a parte autora manifestar sua desistência até o momento da sentença.
Porém, inova o novo Codice ao estipular que, quando a questão debatida na ação for idêntica à resolvida em julgamento de recursos repetitivos, a desistência sempre será unilateral. Ou seja: na referida hipótese, qualquer que for o momento em que o autor manifestar sua desistência (ainda que após a contestação), não necessitará do consentimento do réu para que o juiz a homologue.
Trata-se, pois, de exceção legal expressa à regra da bilateralidade da desistência estabelecida, às ações em geral, a partir da apresentação da contestação.
Por fim, o novo Código também dispôs que, ocorrendo essa situação de identificação da ação com o julgamento de recurso por amostragem, a parte autora que desistir antes de apresentada a contestação ficará isenta do pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios. Portanto, apenas terá a parte desistente a responsabilidade pelo pagamento de tais verbas se a desistência for manifestada após a contestação.
Com isso, mais uma vez o novo Código excepciona especificamente uma regra genérica, já que, na desistência de ações em geral, apesar de os honorários advocatícios apenas serem devidos com o ingresso do advogado do réu no processo, as despesas processuais são devidas desde a distribuição da petição inicial. Porém, com a disposição do artigo 1.040, §2º, do novo Código, em se tratando de ação que tenha por objeto questão decidida em julgamento de casos repetitivos, a parte autora que desistir antes da contestação fica livre até mesmo do pagamento das despesas processuais.

8. DESISTÊNCIA FACE A INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Continuando a análise das inovações do novo Código de Processo Civil acerca das questões ligadas à desistência de ações, encontram-se disposições muito peculiares nos §§ 1º e 2º de seu artigo 976[44], inserido no capítulo que trata do incidente de resolução de demandas repetitivas.
O incidente de resolução de demandas repetitivas consiste num mecanismo mediante o qual é escolhido um processo para ser julgado, pelo tribunal, de forma exemplar (ou seja, por amostragem), quando presentes dois requisitos: (a) repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e (b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Assim, dentre as várias demandas que versam sobre a mesma questão exclusivamente de direito, uma é remetida - pelas partes, pelo juiz (em primeiro grau), pelo relator (em grau recursal), pelo Ministério Público ou, ainda pela Defensoria Pública - para julgamento por tribunal de segunda instância (TJ ou TRF).
Fixado esse conceito, cabe agora analisar as regras concernentes à desistência no referido incidente.
Conforme estipula o novo Código, a desistência por parte do autor da ação em que foi instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas não obsta o prosseguimento do incidente e o final exame de seu mérito.
Ora, não obstante tenha suporte em um determinado processo, o incidente veicula um interesse que excede o simples interesse das partes. Por ter a finalidade de resolver uma questão amplamente debatida em ações manifestamente repetidas, há, no incidente, um verdadeiro interesse social, da coletividade.
Assim, a desistência da parte, por operar no interesse particular, não pode afetar o prosseguimento e o final julgamento do incidente, cuja motivação é um interesse social, que não pode ser afastado em virtude de mero interesse privado.
Não por outro motivo, o novo Código também dispõe que, em havendo essa desistência, deve o Ministério Público, obrigatoriamente, intervir no incidente e assumir sua titularidade (seu pólo ativo), caso não seja ele já coautor da referida ação. Isto porque o Ministério Público tem a qualidade de fiscal da lei (custos legis) e de defensor do interesse social e público, cabendo, pois, a ele, dar prosseguimento ao incidente de resolução de demandas repetitivas, em caso de desistência da parte autora originária.
Aliás, vale mencionar que disposição semelhante já era encontrada na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985 - artigo 5º, §3º[45]), que dispõe que, havendo desistência infundada ou abandono da ação civil pública por algum de seus legitimados, deve o Ministério Público, ou mesmo outro legitimado, assumir o pólo ativo e prosseguir com a referida ação.
E o fundamento, mutatis mutandis, reside igualmente no interesse social quanto ao provimento final de mérito da ação civil pública - já que esta versa sobre direitos transindividuais (direitos difusos ou coletivos) ou, ao menos, sobre direitos individuais que dizem respeito a uma expressiva quantidade de indivíduos (direitos individuais-homogêneos).

9. DESISTÊNCIA NA EXECUÇÃO

Tendo sido tratado, nos tópicos anteriores, sobre a desistência da ação no processo de conhecimento, cabe, por fim, separar este último subtítulo do presente texto para proceder a uma breve análise da desistência no processo de execução, apontando suas regras específicas.
Inicialmente, tem-se que, do mesmo modo que no processo de conhecimento, admite-se a desistência no processo de execução.
Na execução, porém, a desistência não tem por objetivo a prolação de uma sentença sem resolução de mérito, já que não há mérito a ser resolvido, de forma que a sentença proferida ao término do procedimento executório sempre será terminativa. Como se sabe, o objetivo da execução é outro: a satisfação de uma obrigação constante de título executivo.
Assim, no processo de execução, a desistência tem por finalidade tão somente encerrar a atividade judicial executória, obstando-se a satisfação da obrigação executada. E, também no processo de execução, a desistência produz efeitos meramente processuais, não afetando o direito material do exequente de ver satisfeita a obrigação a cujo cumprimento faz jus.
Mas a primordial diferença entre a desistência no processo de conhecimento e a desistência no processo de execução localiza-se na necessidade ou não de consentimento da parte contrária:
No processo de conhecimento, conforme já analisado, a desistência da ação é unilateral apenas até o momento da apresentação da contestação pelo réu, após o que é indispensável o consentimento deste para que possa o juiz homologar a desistência e extinguir o processo.
No processo de execução, por outro lado, a desistência é sempre unilateral. Ou seja, o exequente poderá desistir da execução em qualquer momento (antes, é claro, da satisfação da obrigação), sendo absolutamente irrelevante o consentimento do executado. Ocorre que a lei estabelece a desistência da execução como uma faculdade do credor, não a condicionando ao assentimento do devedor[46]. Daí dizer-se (frisando) que a desistência, na execução, é ato unilateral da parte exequente.
Unindo todas essas características, ensina BERNARDO PIMENTEL SOUZA[47] que, no processo de execução, "a desistência é o ato unilateral de vontade por meio do qual o exequente abdica da execução em curso, mas não do direito material subjacente".
Porém, a análise da questão comporta ainda um desdobramento.
Ocorre que, nada obstante desnecessária a concordância do devedor para a desistência do pleito executório, tem-se que seu assentimento pode ser necessário para que essa desistência se estenda também a eventuais embargos à execução por ele opostos.
Em outros termos: em determinadas situações, a desistência da ação de execução não acarretará a extinção automática dos embargos executórios apresentados pelo devedor, sendo necessário, para tanto, o consentimento deste.
A essas hipóteses referem-se os artigos 569, parágrafo único e alíneas, do Código de Processo Civil de 1973[48] e 775, parágrafo único e incisos do novo Código de Processo Civil[49], ambos veiculando as mesmas disposições.
Segundo a regra constante de ambos os dispositivos, se os embargos à execução opostos pelo devedor versarem tão somente sobre matéria processual (a exemplo da ilegalidade de uma penhora realizada ou da ausência de legitimidade para a execução), a desistência da execução alcançará imediatamente os embargos do devedor, extinguindo-os sem resolução de mérito, independentemente do consentimento do executado embargante. Nessa hipótese, a extinção dos embargos ocorre de modo automático e unilateral.
Por outro lado, se os referidos embargos tratarem de outros assuntos que não questões processuais - ou seja, se impugnarem diretamente o título executivo em que se baseia a execução -, a desistência da execução apenas os extinguirá se com isto o devedor embargante concordar. Nessa hipótese, portanto, a extinção dos embargos não é automática, sendo condicionada à aceitação do executado (é, pois, bilateral).
Como bem sintetiza BERNARDO PIMENTEL SOUZA[50]:
Os processos de execução e de embargos são extintos, às custas do exequente, se os embargos versarem apenas sobre questões processuais; se os embargos versarem sobre questões de mérito, há a extinção da execução, mas a homologação da desistência dos embargos depende da anuência do executado embargante.
Mencione-se, por fim, que, em todos os casos, o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios relativos à execução e aos embargos do devedor, por força do princípio da causalidade, é de responsabilidade do exequente que desistiu da execução (dando, assim, causa à extinção desta e dos embargos).

CONCLUSÕES

Ante todo o exposto, cabe concluir, de forma sintetizada, que:
- A desistência da ação, como meio de extinção do processo sem resolução do mérito, é um direito do autor, a ser exercido antes da sentença, e que é unilateral até o momento da apresentação da contestação pelo réu. Sua eficácia depende de homologação judicial e, após a contestação, também do consentimento do réu.
- Tem efeitos meramente processuais, não resultando na renúncia ao direito material debatido no processo, motivo pelo qual pode a mesma ação ser novamente proposta, caso em que será distribuída por dependência ao mesmo órgão jurisdicional perante o qual tramitou a ação extinta pela desistência.
- Em havendo litisconsórcio passivo (salvo o litisconsórcio necessário), a desistência pode ser parcial, abrangendo apenas um ou alguns dos corréus, caso em que, se requerida após a apresentação da contestação, dependerá do assentimento apenas dos demandados por ela abarcados. Ademais, se houver desistência antes da citação de algum corréu, o prazo para os demais contestarem será contado a partir da intimação de cada qual deles acerca da decisão homologatória da desistência.
- A desistência pode ocorrer mesmo quando a ação versar sobre direitos indisponíveis.
- O procurador da parte apenas pode desistir da ação se lhe forem expressamente conferidos poderes especiais para tanto.
- A desistência da ação não afeta a reconvenção, ante o caráter autônomo desta.
- Extinto o processo pela desistência, o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios é de responsabilidade do autor, com base no princípio da causalidade. Quanto aos honorários advocatícios, entretanto, tem-se que apenas serão devidos se a desistência for manifestada após o ingresso do procurador do réu no processo ou quando, ainda que antes de tal ingresso, a desistência causar prejuízo ao réu. Ademais, se a desistência for parcial, os valores a serem pagos pelo autor serão proporcionais à parcela desistida da ação.
- Quando a ação versar sobre questão idêntica à resolvida em julgamento de recursos repetitivos, conforme o novo Código de Processo Civil, a desistência pelo autor, ainda que posterior à apresentação da contestação, é unilateral, não dependendo do consentimento do réu. Outrossim, se a desistência for manifestada antes de oferecida a contestação, fica o autor isento não apenas dos honorários advocatícios, mas também das despesas processuais.
- Em sendo instaurado incidente de resolução de demandas repetitivas, consoante disposições do novo Código de Processo Civil, a desistência do autor com relação à ação não impede o prosseguimento e o julgamento de mérito do incidente. Aliás, havendo desistência, deve o Ministério Público intervir e assumir o pólo ativo do incidente, garantindo, assim, seu adequado prosseguimento.
- No processo de execução também é admitida a desistência, que será sempre unilateral quanto à própria ação de execução. Nada obstante, em tendo sido opostos embargos à execução, a desistência da ação executória apenas extinguirá automaticamente os embargos se estes versarem sobre questões processuais. Caso os embargos tratem sobre matéria de mérito (ou seja, caso impugnem o título em que se funda a execução), a extensão dos efeitos da desistência da ação aos embargos fica condicionada ao assentimento do executado embargante. Em todas as situações, porém, o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios - da execução e dos embargos - é de responsabilidade do exequente, ante o princípio da causalidade.
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[1] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 4ª edição. Campinas: Bookseller, 2009, p. 1.163.
[2] "Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) VII- quando o autor desistir da ação".
[3] "Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VIII- homologar a desistência da ação".
[4] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, volume IV. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. 2ª edição. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004, p. 675.
[5] Nesse sentido, manifesta-se a literatura jurídica: "Ao contrário da contestação, que é simplesmente resistência à pretensão do autor, a reconvenção é um contra-ataque, uma verdadeira ação ajuizada pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), nos mesmos autos". [THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume I - teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 37ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 344].
Ademais, como preceitua a doutrina, na reconvenção "torna-se o réu também autor e passa a chamar-se réu-reconvinte". [SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 01 - processo de conhecimento. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 389].
[6] Nos termos do artigo 158, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973, cujo conteúdo foi reproduzido pelo artigo 200, parágrafo único, do novo Código Processual:
"Art. 158. (...) Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeito depois de homologada por sentença".
"Art. 200. (...) Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial".
[7] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume I - teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 37ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 278.
[8] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 325.
[9] O nosso sistema processual civil sempre consagrou a sentença homologatória de renúncia como decisão que resolve o mérito. Assim se pode depreender do artigo 269, V, do Código de Processo Civil de 1973, cujo conteúdo foi mantido pelo artigo 487, III, c, do novo Código Processual:
"Art. 269. Haverá resolução de mérito: (...) V- quando o autor renunciar ao direito sobre que a ação se funda".
"Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) III- homologar: (...) c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção".
[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume I - teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 37ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 278.
[11] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 4ª edição. Campinas: Bookseller, 2009, p. 1.164.
[12] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, volume IV. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. 2ª edição. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004, p. 29.
[13] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, volume I - teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 191.
[14] "Art. 329.  O autor poderá: I- até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu; II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar. Parágrafo único.  Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de pedir."
[15] "Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo."
[16] "Art. 267. (...) §4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação".
[17] "Art. 485. (...) §4º Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação."
[18] SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 01 - processo de conhecimento. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 524.
[19] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, volume I. 18ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 291.
[20] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 01 - teoria geral e processo de conhecimento (1ª parte). 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 281.
[21]"Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II- quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda".
[22] " Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II- quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda".
[23] O referido termo é utilizado por EDUARDO CAMBI, que ensina que "a idéia da jurisprudência lotérica" se refere à situação em que "a mesma questão jurídica é julgada por duas ou mais maneiras diferentes". Por consequência dela, segundo o autor, "se a parte tiver a sorte de a causa ser distribuída a determinado Juiz, que tenha entendimento favorável da matéria jurídica envolvida, obtém a tutela jurisdicional; caso contrário, a decisão não lhe reconhece o direito pleiteado". [CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. In: Revista dos Tribunais volume 786. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril de 2001, p. 111].
[24] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 02 - processo de conhecimento. 11ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 91-92.
[25] Segundo a lição de CRUZ E TUCCI, "a técnica de invocar precedentes, se bem utilizada, aumenta em muito a previsibilidade da decisão e, portanto, a segurança jurídica. Opera, outrossim, como importante fator a favorecer a uniformização da jurisprudência. Essa função nomofilácica atende também ao interesse público da unidade da jurisprudência". [TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 17].
[26] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 325.
[27] "Art. 335. (...) §2º Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4o, inciso II, havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência".
[28] "Art. 298. (...) Parágrafo único. Se o autor desistir da ação quanto a algum réu ainda não citado, o prazo para a resposta correrá da intimação do despacho que deferir a desistência".
[29] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 01 - teoria geral e processo de conhecimento (1ª parte). 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 281.
[30] Segundo conceito já trazido pelo artigo 46, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973, "há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo". De modo bem mais simplificado, conceitua também o artigo 114 do novo Código de Processo Civil, nos seguintes termos: "o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes".
[31] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, volume I - teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 529.
[32] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 325.
[33] "Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso".
[34] "Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica".
[35] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, volume IV. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. 2ª edição. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004, p. 676.
[36] "Art. 317. A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga, não obsta ao prosseguimento da reconvenção."
[37] "Art. 343. (...) §2º A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção".
[38] SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 01 - processo de conhecimento. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 390.
[39] SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 01 - processo de conhecimento. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 113.
[40] "Art. 26. Se o processo terminar por desistência ou reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu ou reconheceu. §1º. Sendo parcial a desistência ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e honorários será proporcional à parte de que se desistiu ou que se reconheceu."
[41] "Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu. §1º. Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu."
[42] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 131.
[43] "Art. 1.040. (...) §1º A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia. §2º Se a desistência ocorrer antes de oferecida a contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. §3º A desistência apresentada nos termos do §1º independe do consentimento do réu, ainda que apresentada a contestação".
[44] "Art. 976. (...) §1º A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente. §2º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono."
[45] "Art. 5º. (...) §3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa".
[46] Confiram-se os artigo 569, caput, do Código de Processo Civil de 1973 e 775, caput, do novo Código, que veiculam idêntica regra:
"Art. 569. O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas".
"Art. 775.  O exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva."
[47] SOUZA, Bernardo Pimentel. Execuções, cautelares e embargos no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 182.
[48] "Art. 569. (...) Parágrafo único. Na desistência da execução, observar-se-á o seguinte: a) serão extintos os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o credor as custas e os honorários advocatícios; b) nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do embargante".
[49] "Art. 775. (...) Parágrafo único.  Na desistência da execução, observar-se-á o seguinte: I- serão extintos a impugnação e os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o exequente as custas processuais e os honorários advocatícios; II - nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do impugnante ou do embargante."
[50] SOUZA, Bernardo Pimentel. Execuções, cautelares e embargos no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 182.